quinta-feira, 18 de agosto de 2011

capítulo 1

fazia muito tempo que ele estava ali.

inquietantemente parado.

respiração ofegante.

olhar aflito.

naquele momento a roupa, que havia saído impecável do armário, já estava toda molhada...

era fim de março e a chuva caía como na canção do tom.

"será que toda essa expectativa vai valer a pena?" ele pensou...

afinal essa era mais uma de suas loucas apostas com a vida.

de repente, pela janela do prédio em frente vem uma música, conhecida.

em meio ao barulho da chuva e dos motores dos automóveis e das buzinas dos ônibus e do burburinho dos que caminham pelas imediações ele consegue distinguir a melodia e se lembra da letra: "welcome to your live, there's no turning back"...

nesse exato instante o celular vibra no bolso da calça: ele nunca tira o celular do vibra porque acredita que o barulho incomoda os outros.

olhou o número e pensou alto, quase gritando: é agora, não tem volta.

sim.

todos os últimos cinco anos de sua vida poderiam ir por água abaixo – assim como a chuva insistente - com aquela ligação.

foi por isso que ele pensou antes de qualquer movimento em direção ao botão verde de seu celular.

hesitou.

mas hesitou de um tanto que a tal ligação se perdeu:

ficou registrado no celular, que sempre estava no vibra, nome e número para os quais ele não haveria de ligar de volta.

então,

a chuva apertou,

o vento cortou a pele do rosto. mas não estava frio.

o fim de tarde parecia torpe como num improviso de jazz, ou um drible do garrincha.

foi então que ele se pôs a caminhar e acabou ouvindo o fim da canção que vinha da janela do prédio em frente: "all for freedom and for pleasure, nothing ever lasts forever, everybody wants to rule the world"...

- engraçado, pensou... e sorriu de canto de boca, cínico.

no caminho foi observando pessoas...

ouvindo pedaços de conversa que iam e vinham enquanto seus pés se encharcavam nas poças das calçadas daquele lugar da cidade.

nesse caminhar dadaísta foi juntando frases. palavras. vírgulas, tentando se abstrair de sua própria história...

já não estava mais inquieto...

mas também não estava tranquilo.

simplesmente se sentia anestesiado... como se estivesse bêbado ou chapado.

essa sensação durou todos os metros do caminho...

até que ele chegou em seu apartamento no centro.

luzes e barulhos por todos os lados... um flash passou pelo seu olho...

outra vez de um daqueles fotógrafos que vivem por perto...

nem ligou. entrou no prédio.

o elevador já não funcionava há dois meses e ele vivia no oitavo andar.

eram mais de cincoenta degraus... na verdade ele nunca teve saco pra contar direito, mas achava que a conta passava de cincoenta...

a chuva que havia tomado e o suor dos degraus se misturavam no corpo franzino daquele homem e suas histórias.

tirou a roupa encharcada.

jogou na área de serviço,

jogou o corpo no sofá.

a luz da sala não era forte o suficiente pra iluminar o ambiente daquela escuridão angustiada...

ele gostava de viver na penumbra fazia uns anos, como se fosse coadjuvante de sua própria vida.

esgotado pela expectativa do dia que acabou em nada,

sentiu as pálpebras pesarem.

“e lá se vai, mais um dia...” tocou no som.

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